CENA 1: Todos encaram aflitos doutor
Otacílio.
-Olha, ele teve uma hemorragia
fortíssima no coração, perdeu uma quantidade muito grande de sangue...
Flávio se desespera acreditando que
tenha acontecido o pior.
-Fala logo, doutor! Eu aguento ouvir a
verdade! - fala Flávio, já chorando.
-No entanto, nosso banco de sangue
estava cheio do tipo sanguíneo dele, que é receptor universal. Ainda assim,
para conter a hemorragia, demorou e chegou ao ponto de ele ficar sem batimentos.
Fizemos de tudo e ele já estava sendo considerado clinicamente morto quando ele
apresentou novamente pulsação. Depois disso as funções vitais dele normalizaram
rapidamente e pudemos concluir a cirurgia. É praticamente um milagre, mas
Miguel sobreviveu e está se recuperando rapidamente.
Todos vibram. Rômulo e Flávio se
abraçam emocionados e choram de alívio.
-Como foi que ele voltou? - pergunta
Sônia.
-Não sabemos dizer. Mas esse rapaz tem
vontade de viver mesmo, hein? Só isso para explicar ele voltar a apresentar
batimentos e minutos depois já estar com as funções vitais normalizadas,
pressão arterial perfeita... só aviso para vocês esperarem um pouco que ele
ainda pode demorar a acordar da sedação. Mas posso lhes garantir que ele está
completamente fora de perigo e só será mantido na UTI até recuperar a
consciência.
Flávio beija a mão de Otacílio.
-Muito obrigado por salvar a vida do
meu marido! Mãos santas essas tuas! CORTA A CENA.
CENA 2: Uma passagem de tempo acontece
e na tela aparece UM ANO DEPOIS. Nadir, Flávio, Miguel, Fabiano, Fernanda,
Pâmela, Veridiana, Henrique, Paulo e Giordano estão na ONG quando a campainha
toca. Flávio estranha.
-Ué, vocês estão para atender algum
caso agendado para se orientar pessoalmente conosco?
Todos acenam negativamente com a
cabeça.
-Bem, vou atender pra ver quem é à essa
hora da tarde.
Flávio abre a porta e depara-se com
Patrícia e Fabrício.
-Vocês!
-E aí, não vai dar um abraço na sua
velha amiga? - convida Patrícia, já abraçando Flávio.
-Nadir, Paulo, Henrique, Diana! Venham
cá! - grita Flávio.
Os quatro vão até a entrada da ONG.
Nadir se emociona ao ver a filha.
-Minha menina!
As duas choram de emoção ao se
reencontrarem. Paulo e Henrique cumprimentam Fabrício.
-Demoramos, mas voltamos! - fala
Fabrício.
-Nossa, pensei até que vocês tinham
esquecido de nós! - brinca Miguel, que chega naquele momento para receber os
amigos.
-Vamos, queridos... sentem-se! -
convida Nadir.
-Quase dois anos longe da gente, hein?
E que mudança, filha! Tá linda! Contem como foi tudo nesse tempo no exterior...
- fala Paulo.
-Foi um custo pra conseguir a
documentação retificada no consulado brasileiro lá no Canadá, viu? Mas pelo
menos tive tempo de investir no meu sonho e hoje sou uma mulher completa, de
corpo, alma e documentos! - fala Patrícia, visivelmente emocionada. Todos
seguem a conversar sobre o tempo em que Patrícia e Fabrício ficaram no
exterior. CORTA A CENA.
CENA 3: Lucas acompanha Rômulo numa
famosa livraria do Rio de Janeiro para uma sessão de autógrafos de seu livro,
que é um sucesso. A fila formada para Rômulo autografar os exemplares é
gigantesca. Lucas vibra.
-Eu ainda não consigo acreditar que o
teu livro alcançou esse sucesso todo, por todo o país!
-Nem eu tou acreditando bem ainda,
amor. Parece que não caiu a ficha, mas tá acontecendo! E veja onde a gente tá!
Na minha terra, no meu lugar, no meu chão! Nunca imaginei que minha volta pro
Rio de Janeiro ia ser assim... eu sendo famoso e com tanta gente querendo que
eu autografe os exemplares do meu livro!
- fala Rômulo.
-O papo de vocês deve estar realmente
ótimo, mas além de mim, tem um monte de gente esperando pelo seu autógrafo,
Rômulo Moreira! - fala uma jovem leitora, bem humorada. Quando ela pega seu
livro, se pode ver o título A VIRADA na sua capa.
-Oh, desculpe! Não foi minha intenção
deixar esperando! Dedico a quem?
-A Liliane Martins.
Rômulo autografa o livro da jovem e
segue a autografar vários outros livros até ser abordado por um de seus
leitores novamente.
-A quem dedico?
-A ninguém.
-Como assim, meu senhor?
-Já te explico, Rômulo. Me chamo Bruno
Oliveira Soares e sou diretor de uma emissora de TV.
-Sim, mas então por que eu não posso
dedicar o livro a você?
-Por um motivo muito simples. Há algum
tempo, recebi a ordem do presidente da emissora para que eu buscasse novos
talentos, novos autores para a teledramaturgia da nossa emissora.
-O que você quer dizer com isso?
-Que seu livro tem um potencial
dramatúrgico incrível! Você não leu as últimas críticas que foram publicadas?
-Li sim, mas daí a acreditar
completamente em tudo o que dizem do meu livro...
-Pois deveria. Eu gostaria de te
convidar para adaptar o seu livro para a TV, para a nossa emissora. Transformar
numa novela, entendeu?
Rômulo não cabe em si de felicidade e
Lucas o abraça. Porém, Rômulo cai em si de uma questão.
-Eu tou muito feliz pelo convite, de
verdade. Mas se você está pensando que vou fixar residência aqui no Rio de
Janeiro, está enganado. Ainda essa semana volto pro Rio Grande do Sul, porque
lá é o meu lugar, onde está meu coração. Sendo assim, eu fico honradíssimo pelo
seu convite, mas não vou poder aceitar...
-Vai aceitar sim. A ordem da
presidência da emissora para a procura desses novos talentos entre jovens
autores é justamente porque temos nossas emissoras afiliadas e, não sei se você
lembra, a afiliada do Rio Grande do Sul inaugurou recentemente estúdio próprio
para a gravação de novelas e séries... O meu convite é para que a novela, caso
você aceite a proposta, seja produzida lá mesmo, no Rio Grande do Sul, mas para
ser exibida em todo o país.
Rômulo ouve a toda proposta incrédulo.
CORTA A CENA.
CENA 4: Há mais uma passagem curta de
tempo e na tela aparece ALGUM TEMPO DEPOIS. Na casa de André, a câmera foca
nele e em Ernestina, a brincar com a menina que eles adotaram.
-Não é uma graça a Lavínia, amor? Olha
como ela ri para a gente!
-É realmente uma criança abençoada... -
fala Ernestina, claramente desanimada. André percebe a tristeza em sua esposa.
-O que foi, Tina? Até ontem tava tudo tão
bem...
-Se esqueceu que dia é hoje?
-Segunda-feira, o que que tem?
-Hoje é 18 de janeiro. Dia que o
Leonardo faria aniversário, se estivesse vivo...
-Poxa, eu pensei que você tinha
renegado ele...
-Reneguei. Mas quando chega o dia do
aniversário dele, sou tomada por uma dor, uma sensação de fracasso que não sei
se um dia vai sair de mim...
-Talvez você se livre dessa sensação
sendo mãe da nossa pequena Lavínia. Ela merece o nosso amor e o nosso melhor...
no que depender de mim, pelo menos, ela nunca vai saber que foi abandonada
recém-nascida pela própria mãe há dois meses...
-E o que vamos contar a ela?
-Que a mãezinha biológica dela foi pro
céu...
Ernestina se levanta.
-Se anima, amor!
-Pelo menos hoje, deixa eu sentir minha
dor.
Ernestina se fecha em seu quarto e
chora por Leonardo. CORTA A CENA.
CENA 5: No fim de semana seguinte, uma
grande festa é feita no salão de festas do prédio onde moram Clara e Helena, em
comemoração ao casamento de Matheus e Fabiano, ocorrido durante aquela semana.
Miguel, Flávio, Rômulo, Lucas, Valdir, Sandra, Antonella, Bernardo, Daniela,
Fernanda, Pâmela e seus respectivos filhos mais crescidos, Paulo, Giordano,
Patrícia, Fabrício, Nadir, André, Ernestina, Veridiana e Henrique comparecem à
festa e parabenizam, um a um, o novo casal. Fabiano transborda de felicidade,
assim como Matheus. Quando a festa já está mais avançada, os dois vão para uma
mesa ao canto do salão, para poderem ficar sozinhos.
-Enfim, casados! - fala Matheus.
-Pra mim, nós já estávamos casados há
muito tempo... é ou não é? A gente leva uma vida e comum há quase dois anos,
estamos juntos em quase tudo, somos melhores amigos... - fala Fabiano.
-Mas agora há o reconhecimento da lei.
Não ficaremos desamparados, temos agora nossos direitos garantidos e a lei nos
reconhece!
-Isso é verdade, amor... mas às vezes
fico pensando que ainda sou muito jovem pra adotar uma criança, por exemplo...
não me sinto preparado.
-Não se pressiona, Fabiano. Eu tou
tranquilo com a vida que nós temos... quando for a hora certa de a gente adotar
um filho ou uma filha, a gente vai saber, porque a gente vai sentir isso junto.
E depois, eu tou feliz com a mãe e com a irmã que a vida me deram de
presente...
Helena e Clara, que estavam chegando
naquele momento, escutam as palavras de Matheus. Helena se emociona e abraça
Matheus.
-Tu vai ser sempre um filho pro meu
coração...
-E tu uma mãe pro meu... - fala
Matheus.
-Ei, mas nada de ficar roubando a
atenção por muito tempo que a mãe é minha! - brinca Clara.
-Não tou dizendo, Fabiano? Até a irmã
chata tá no pacote! - brinca Matheus.
Todos riem e levantam-se para dançar.
Instantes depois, Matheus e Fabiano procuram Rômulo e Lucas.
-Sucessão que tá fazendo o livro, hein?
- fala Fabiano.
-Nunca imaginei que eu ia poder viver
tranquilo só de escrever... - fala Rômulo.
-Por falar nisso, a quantas anda a
produção da novela baseada no livro? - pergunta Matheus.
-Terminei de adaptar o texto semana
passada. Quando assinei o contrato com a emissora eu exigi que a novela só
entraria em produção a partir do momento que eu finalizasse a adaptação do
texto por completo. - revela Rômulo.
-Mas quando a novela deve estrear? -
pergunta Matheus.
-A produção começou essa semana e o
elenco já estava previamente escalado. Daqui dois meses a novela estreia. -
revela Rômulo.
Todos seguem ao clima da festa. CORTA A
CENA.
CENA 6: No dia seguinte, Veridiana se
acorda furiosa na casa de Henrique, por ter perdido o horário de se acordar.
Raivosamente, ela cutuca o namorado.
-Acorda, pamonha!
-O que foi agora, Diana? - pergunta
Henrique, atordoado de sono.
-O que foi pergunto eu. Você viu que
horas são? Nove horas! Eu deveria estar em pé desde as oito e meia e você foi
incapaz de me acordar pra eu me arrumar pro meu trabalho!
-Ah, o que tu quer reclamando agora,
garota? O trabalho é meu ou é teu? De quem é a responsabilidade de se acordar
na hora certa pra não haver atraso? Me diz!
-Não vem jogando a culpa em cima de
mim, porque você sabe muito bem que a gente devia ter parado de transar antes
das duas da manhã!
-Ah, sim, claro! Tu que não saía de
cima de mim e a culpa é minha? Aposto que tu se acordou nesse azedume todo
porque se esqueceu de ligar o despertador do celular e mais uma vez tá
descontando a raiva de ti mesma em cima de mim...
Veridiana cai em si e faz expressão
chorosa.
-Tá... foi bem isso. Você me conhece
mesmo, hein?
-Por isso que eu te amo, sua boba!
Os dois se beijam. CORTA A CENA.
CENA 7: O tempo passa e na tela aparece
DOIS MESES DEPOIS. Rômulo e Lucas estão numa coletiva de imprensa de lançamento
da novela. Em meio à imprensa, estão lá Miguel, Flávio, Sônia, Fabiano,
Matheus, Helena, Clara, Fernanda, Pâmela, Laís, Luciana, Bernardo, Daniela,
Valdir, Sandra, Antonella, Nadir, Paulo, Giordano, Henrique, Veridiana, Patrícia,
Fabrício, Otília, Breno, Francisca e Murilo. Os jornalistas começam a fazer as
perguntas.
JORNALISTA 1: Desde o lançamento do
livro até o pré lançamento da novela de hoje, em nenhumas das entrevistas
concedidas por você, ficou claro o motivo pelo qual você batizou tanto o livro
quanto a novela de "A Virada". Poderia nos dizer?
Rômulo começa a falar.
-Claro, com o maior prazer! Sempre
gostei de títulos sucintos, tanto que sempre prefiro autores que dão títulos
curtos às suas obras. Acho mais original, porque instiga o leitor e, nesse
caso, o telespectador, a partir da próxima semana, a buscar concluir por conta
própria o motivo pelo qual a obra foi batizada com aquele nome. "A
Virada" surgiu de maneira natural enquanto eu começava a escrever o livro
e constatei que as histórias que eu contava eram cheias de pequenas e grandes
viradas, como a vida da gente...
JORNALISTA 2: Por falar em histórias e
vida da gente, é verdade que "A Virada" é baseada em histórias reais
de pessoas próximas suas?
Rômulo começa a responder.
-Eu não diria baseada na vida dessas
pessoas, mas certamente inspirada. Livremente inspirada, rasgadamente
inspirada. Sei que meus amigos gostaram muito do que leram e espero que eles
gostem da mesma maneira do que vão assistir nos próximos quatro meses na TV.
Tanto meu livro quanto a novela são inteiramente dedicadas aos meus queridos
amigos, porque se não fossem eles, hoje eu não estaria aqui. "A
Virada" é, acima de qualquer coisa, um grande "muito obrigado, meus
amigos", um sinal de gratidão.
JORNALISTA 3: Você manteve os nomes
desses amigos na ficção ou mudou os nomes?
Rômulo responde.
-Evidente que mudei os nomes. Não
somente os nomes, por sinal. Como já expliquei a vocês, "A Virada" se
inspira rasgadamente na vida desses meus amigos, mas não se baseia. Modifiquei
alguns acontecimentos, diminuí a importância de outros, acrescentei tantos
outros... tudo não apenas para protegê-los e mantê-los no anonimato, mas também
como uma maneira de mostrar que a vida de todos nós dá um livro... ou uma
novela.
JORNALISTA 4: Você teme críticas pela
recorrente temática espírita do livro, que será passada também para a novela?
-Em momento algum. Mesmo eu, Rômulo
Moreira, sendo um grande simpatizante do espiritismo, não me considero
espírita. Os relatos contidos no livro sobre o Plano Espiritual foram
repassados por grandes amigos meus espíritas. Não vou, logicamente, me comprar
ao Allan Kardec, que codificou o espiritismo sem ser um espírita... Apenas
senti a necessidade de acrescentar tais relatos á história.
JORNALISTA 5: Você teme que a audiência
da TV não corresponda ao sucesso do livro? E como simpatizante do espiritismo,
você acredita que todas as pessoas podem mudar?
Rômulo responde.
-Em momento algum, mesmo porque a minha
função foi adaptar o texto para a TV. Minha função é escrever... a função de
ficar preocupado com os números de audiência é da emissora. Bem, quanto a eu
acreditar ou não que as pessoas possam mudar, devo dizer que isso é um tanto
relativo... CORTA A CENA PARA...
...CENA 8 - CENA FINAL: Ao fundo, ainda
se ouve a voz de Rômulo a responder à pergunta da coletiva de imprensa,
enquanto a câmera paira sobre o centro da cidade e foca na movimentada
Voluntários da Pátria. Segue a voz de Rômulo.
"É
relativo porque só muda quem aceita que a vida é um constante processo de
mudança. Quem não aceita a mudança, não aceita a vida, ou a vida que leva.
Acredito que o estado natural do ser humano é a adaptabilidade, porque as
mudanças são inevitáveis. Ou nós mudamos com a vida, ou a vida se esquece da
gente... ou desiste mesmo. Há quem obtenha algum êxito por algum tempo mesmo
resistindo à todas as mudanças que a vida joga na cara da gente, há até quem
desafie a tudo e a todos, uns óbvios, outros nem tanto... outros até mesmo
rindo na cara do perigo. Mas não saem do lugar porque nunca mudam. Há pessoas
que nunca mudam"
A
câmera foca em Leonardo, no meio do alvoroço da Voluntários da Pátria, lutando
por sua sobrevivência.
-Compro ouro, vendo ouro! Compro
cabelo!
Leonardo segue a gritar as mesmas
coisas na tentativa de ganhar algum dinheiro. Uma senhora idosa se encanta com
o jeito dele.
-Boa tarde, menino!
-Quem é a senhora?
-Oh, desculpe... não me apresentei. Sou
a Lícia. Olha, menino, não tenho nem ouro nem cabelo pra te oferecer, mas tou
te achando magrinho demais. Se quiser fazer um lanche sem pagar nada, vá na
minha lanchonete que fica aqui perto. Vou deixar o cartão contigo. Qual é o teu
nome, menino?
-É Miguel. Meu nome é Miguel. Mais
tarde eu passo lá, ok? Preciso voltar ao trabalho.
A senhora se afasta e Leonardo segue
com o único trabalho que lhe restou na vida.
-Compro ouro, vendo ouro!
A câmera congela e ao fundo a voz de
Rômulo ecoa: "Há pessoas que nunca
mudam".
FIM?
É uma novela que fala sobre a construção de uma novela? Poxa gostei... Adoro metalinguística.
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